"Há sempre alguém que nos diz, tem cuidado, há sempre alguém que nos faz falta, ai que saudades..."
domingo, 13 de dezembro de 2009
LONGONJO
Vamos também localizar o Longonjo onde passei muitas das vezes no mala do CFB e da qual não guardo nenhuma foto no sótão das lembraduras. Longonjo é uma vila e município da província do meu Huambo. Tem 2 915 km² e cerca de 91 mil habitantes. É limitado a Norte pelo município do Ekunha, a Este pelo município de Caála, a Sul pelo município de Caconda, e a Oeste pelos municípios de Ganda e Ucuma. É constituído pelas comunas de Longonjo, Lepi (aqui nasceu outra grande figura da medicina em Angola e Portugal, o cirurgião Fernando Martinho), Katabola e Chilata.
Mas o Fernando, o Pereira, trouxe-me ao de cima uma das estórias que vivi em candengue. Não recordo a idade, o local, a igreja, mas recordo a cena passada comigo na tal Igreja do Longonjo e o nome do sacerdote que tentava aliviar multidões, angolanos e portugueses, de demónios, bruxas e outros males do corpo mas que provinham, diziam, da alma e do espírito. Minha mãe, uma senhora temente ao seu deus, um dia resolveu que os meus males provinham de belzebus e tipos vestidos de vermelho, com chifres enormes e bafuradas de labaredas e fumos horrendos, e resolveu consultar o padre Lima que tinha a seu cargo a Igreja do Longonjo. Nada como um bom exorcismo para colocar-me de novo no caminho sagrado. Tarefa não conseguida pois não me parece que os demónios, mesmo os piores, se metam com os putos por mais reguilas que sejam. A cena marcou-me de tal maneira, que anos mais tarde tive muitas dificuldades em assistir ao filme O Exorcista, de William Friedkin, mesmo ao ar livre, no cinema Miramar em Luanda. Senti vários arrepios, medos, terrores, que fui mantendo ao longo do tempo e que me fez afastar de demónios, exorcismos, crendices e bruxas até aos dias de hoje. Não acredito em bruxas mas aceito, como dizem os ibéricos, que as há, há!
Obrigado ao meu amigo Karipande por me avivar a memória de uma estória, não do meu bairro, mas de alguém do bairro, eu mesmo, que utilizava o comboio para conhecer alguma coisa da minha Angola. O Padre Lima conseguiu, isso sim, exorcizar-me da memória um Longonjo que terá as suas belezas e os seus encantos, mas que tem a virtude sobrenatural de pertencer ao Huambo.
domingo, 8 de novembro de 2009
CAIXA DE MÚSICA
Era sem dúvida um dos objectos, colocado na cómoda do quarto de meus pais, que mais me fascinou enquanto miúdo. De cor preta, tipo ébano, bem envernizada, sem um pingo de pó, forrada a um pano vermelho, tinha uma bailarina vestida de branco que me encantava na sua dança repetitiva em frente de um espelho que projectava as ilusões de um conto de fadas. Penso que em muitas casas lá da minha rua havia muitas dessas caixas e muitos de nós sonhou com a bailarina das nossas vidas. Sei, também, que nenhum de nós deu em bailarino pois ter essa profissão não era coisa de macho. Mas para além dos sonhos que a bailarina me transmitia, a música era de uma tranquilidade que ainda hoje recordo. Apanhando toda a gente distraída, lá ia eu ao quarto de meus pais ouvir a música, ver dançar e sonhar com um mundo de encantar. Mas para além deste mundo de fadas havia uma realidade bem mais terrena na caixa de música. Eram as moedas de vinte e cinco tostões que a mãe por vezes lá colocava, tipo mesada, ou por lá se esquecia, digo eu. Quando havia lá a moeda para além dos prazeres da caixa musical, nesse dia no Liceu tinha merenda reforçada. Uma Coca Cola e um pastel de nata, um manjar dos deuses. Assim foi durante anos.
Hoje nas minhas viagens, com outras músicas, outros bailados, verifico que há um programa na Antena 1 que me faz sentir outra vez candengue e regressar ao passado do meu Huambo. Chama-se Caixa de Música e por acaso do destino quem o apresenta, quem é responsável pelo programa, chama-se, só, Augusto Fernandes. Maldito (!), ou será bendito (?), destino.
sábado, 31 de outubro de 2009
REGULADORA
sábado, 24 de outubro de 2009
TCHEKA
Partilho convosco o Tcheka ao vivo no Mindelo e que se encontra disponível no YouTube e aconselho-vos a frequentar o Hotel Babilónia.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
O NOSSO LEITE
Claro que à falta do leite materno esta era uma vantagem de podermos beber este fantástico alimento até bem tarde. Depois as latas vazias serviam para as numerosas brincadeiras que tinhamos ao fim da tarde lá no bairro. E rolavam, e serviam de alvo aos tiros e pedradas da nossa meninice, e serviam de tambor para as nossas canções, e até serviam para, ao final da tarde, engaiolarmos insectos e outros bichos. Só os mosquitos não conseguiamos. Mas verdade, com este leite nunca ouvimos falar de obesidade infantil! Ou sería da utilidade que dávamos à lata depois de vazia? Certo, certo é que a marca fez enriqucer uns tantos e quem a bebeu (quantos litros terão sido para cada um de nós?) não ficou milionário!
domingo, 13 de setembro de 2009
SANJO
A bata servia para todos nós nos sentirmos iguais sem diferenciação pela maneira como nos vestíamos. Mas para nós rapazes havia uma peça do nosso vestuário, que usávamos nas aulas de ginástica, que faz parte do nosso recordatório da vida e que usávamos com uma alegria sem paralelo. Falo dos ténis Sanjo, brancos, de uma elasticidade ímpar, confortáveis e que davam para toda a prática física dos nossos pés. Desde o trampolim, movimentos no solo, salto de cavalo, futebol, andebol, vólei, as Sanjo para tudo serviam e para tudo eram utilizados, tratando muito bem os pés de quem as calçava.
No futebol muitos de nós usávamos os ténis tentando não os estragar e sujar muito por causa das reprimendas que a seguir tinhamos que ouvir. Mas o impressionante era que nesses mesmos jogos as Sanjo eram dribladas, com umas reviangas do outro mundo, por pés descalços, pretos por cima brancos por baixo, dos nossos amigos do bairro e de outros bairros que até pelos sapatos que usavam pareciam ser angolanos de outro país. Desigualdades de quem mandava e de quem gostava de mandar vestir fardas verdes e castanhas com o tal S na fivela dos cintos e que estava fora de moda. Os ténis Sanjo sempre ficaram no nosso coração, pois depois de algum uso serviam para calçar os pés descalços do nosso bairro, enquanto as outras fardas muito cedo nos recusávamos a vestir pois serviam para manter muitos angolanos descalços.
sábado, 29 de agosto de 2009
HITACHI
sábado, 22 de agosto de 2009
BITACAIA OU MATACANHA
Estes os nomes que o terrível pode ter: batata, bicho, bichô, bicho-de-cachorro, bicho-de-porco, bicho-do-pé, bitacaia, chique, chitacaia, dengoso, espinho-de-bananeira, esporão, jatecuba, matacanha, moranga, nígua, olho-branco, olho-de-pinto, piolho-de-faraó, pitxoca/pitxoka, pulga-da-areia, pulga-de-bicho, pulga-do-porco, pulga-penetrante, sico, taçura, taçuru, tatarné, tuçuru, tunga, tunguaçu, vitacaia, xiquexique, xíquia, zunga, zunge, zunja.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
TARZAN, NÂO!
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
AFROBASKET 2009 - ANGOLA DECA CAMPEÃ
sábado, 15 de agosto de 2009
MERCADO DO CANHE
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
NSU
Claro que a motorizada, a lindissima NSU (que mais tarde todos lhe alcunharam de Não Se Usa- inveja digo eu), servia sobretudo para os recados da kota Maria, senhora minha mãe. Era para ir às compras ao Armazém, ir buscar fruta ao mercado do Canhe, porque ao Municipal tinha muito trânsito e o puto podia-se ficar debaixo de qualquer coisa, enfim, dar umas voltas ali e só pelo Bairro. Era assim até ao dia que eu resolvi acelerar um pouco mais e quebrar o meu "recolher obrigatório" e sair mesmo sem salva conduto.
Mas voltando ao acidente. A casa amarela tinha a cozinha e a despensa fora do edifício central. Entrava-se em casa por um portão enorme de ferro, havia uma rampa que batia na parede da cozinha onde havia uma janela e a rampa. a descer bastante diga-se desde já, dava para uma garagem de madeira feita para guardar o Fusca, ao lado do forno de lenha que servia para aquecer a água. Fui convidado a ir ao mercado local, fazer qualquer coisa que demorava pouco tempo, e autorizado a deslocar-me motorizado. Peguei na NSU, cabelos ao vento, e o mundo foi todo meu. Não, as garinas nada diziam, não acenavam, não havia poeira poeirada no trás da NSU, só eu e o Mundo. Certo que depois de fazer o recado, cá o mano se perdeu no Bairro e nas horas. Quando voltei à realidade já dona Maria devia ferver dos azeites e ansiar pela ginástica que fazia às suas mãos e, por vezes, aos seus chinelos nas mádegas cá do Zé. Vai daí a NSU teve que dar o litro, acelarando na estrada e no batimento do coração do puto que já não tinha punho anatómico que resistisse de tanto o forçar para que o punho do acelerador atingisse o máximo.
Grande curva que fiz para entrar no portão, sempre a fundo, a rampa parecia reta, a parede estava lá, grande estoiro, parecia terramoto, NSU feita num oito escaqueirada contra a parede, pelo menos a roda dianteira, cadengue pelos ares como nos filmes do Ferrovia, a janela ali mesmo para ele entrar em vôo picado, passar por cima das panelas e fogão, e estatelar-se em cima da mesa de madeira que havia na cozinha. Dona Maria corria quintal fora, gritando "estamos a ser atacados pelos turras"
Mas passado o susto do início da luta armada lá no meu bairro, verificando que o filho se levantara e nem um ai dissera, a dona aconchegou os chinelos, e de que maneira, aos calções do "brincalhão do quintal". Mas naquele dia o meu bairro não ouviu nem um ai de choro, pelo menos saído da minha boca. Certo que o kota depois de acentar a poeira, verificar os estragos, pegou na lindissima NSU e foi tratá-la nas oficinas do CFB. Só muito mais tarde é que voltei a sentir a sensação de como se conduzia esta magnífica motorizada, mesmo que para a travar tivesse que andar com os pedais para trás.
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
CARRINHO DE ROLAMENTOS
Bem, mas não era só nas pistas de cimento que acelarávamos e onde sonhávamos ser como o nosso fã, o Gilles Vileneuve. Até tinhamos clube de fãs do Gilles e que chorou e de que maneira o seu desaparecimento. Galopávamos nos cabos das vassouras das mamãs indo que nem cavalos loucos pelos caminhos de terra do nosso bairro. Cruzávamos, a velocidades mil as ruas com os arcos dos barris que os kotas nos arranjavam nas oficinas do CFB. Enfim, sonhos de candengues que desfazíamos nas ruas da nossa cidade enquanto assistíamos ao acelerar dos bê émes e dos alfas durante 6 horas seguidas. Pópilas!
Desgostávamos, isso sim, não poder acelerar nos carrinhos de rolamentos que construíamos com ternura e amor. O nosso bairro era plano, não tinha subidas ou descidas que nos fizesse acelarar no alcatrão e travar até rasgar as sapatilhas para fazermos curvas mais pronunciadas. Lá se íam os sonhos que alimentávamos na varanda da casa amarela, segunda a contar do triângulo, do nosso bairro.
domingo, 2 de agosto de 2009
2 de AGOSTO
O meu bairro parecia um comboio. As casas arrumadinhas, umas a seguir às outras, que se iniciavam com as moradias dos sanguitos (os de sangue azul), mesmo em frente à fábrica do gelo e da estação do CFB e acabava ali para os lados da feira do Canhe, depois de passarmos o nosso hospital. Nunca soubemos quem puxava este combóio! As nossas cubatas começavam depois do triângulo, onde todos nós morávamos. Geminadas, também eu morei na minha casa amarela. De um piso só tinha uma varanda enorme virada para a estrada e as oficinas, onde deslizava os meus poemas nuns patins oferecidos num Natal, tinha a cozinha e os anexos mais a capoeira fora do edifício central e um quintal fantástico onde o meu pai, nas horas que lhe sobravam depois das viagens, semeava um pouco da sua infância trazida de Trás-os-Montes. Couves, cebolas, cenouras, batatas, tudo ali se dava. A nespereira e a mangueira, propriedade da terra, já lá estavam quando fomos morar para lá. Dormia num quarto pequenino onde estudava e sonhava e onde tinha os meus pesadelos. Ali ficava com a janela aberta durante as noites de mais calor a olhar o céu e as estrelas, e a brincar com as imagens que surgiam na minha cabeça como filmes de ecrã gigante que eu nunca via nos cinemas do Ruacaná, nem do Ferrovia. O meu quarto escondia imensos segredos que hoje recordo como lições de vida. Lembro, como segredos bem guardados as conversas dos kotas que visitavam a casa, sobre a situação que se vivia em Angola, e recordo com um brilhozinho nos olhos, as leituras de um livro que consegui subtrair à clandestinidade das leituras do meu velho (nunca soube que eu o tinha lido, o meu pobre pai), Os Médicos Malditos, e que nunca mais o encontrei nos escaparates das livrarias nem nas prateleiras poeirentas dos alferrabistas da capital do antigo Império.
Foi, talvez este livro, que me fez desviar a agulha e mudar de rumo, sair da "obsessão" de ser engenheiro de máquinas e passar a querer ser médico, talvez um pouco maldito porque não calo à desgraça nem à força de querer ser alinhado ao sistema. Tenho que agradecer à minha casa amarela o ter um quarto reservado só para mim.