domingo, 29 de agosto de 2010

CANA DE AÇUCAR

Aiué, você nem pensa como nós aguardávamos os dias em que os mais velhos nos traziam as canas. Era mesmo um dia de muita sorte. Os putos reuniam-se ali no quintal de um de nós, íamos lhe buscar a catana que tínhamos escondido com que descascávamos a cana, e zás! O verde duro da casca saltava como gafanhoto no capim, aquele miolo branquinho a escorrer água e açúcar ali a gulosar para nós e a saliva a formar-se em quantidades enormes para conseguirmos chupar a cana de açúcar. Dentada após dentada a cana ia-se sorvendo até ficar tudo reduzido a palha que depois deitávamos fora como viamos fazer aos outros candengues que por vezes matavam a fome e o desejo da ilusão de comida.
Aquele mambo de que o açúcar fazia mal aos dentes era só para enganar pois sempre que havia cana os do bairro faziam grandes pecados ao devorarem longos paus. O outro mambo era que não deviamos imitar nem fazer como os putos dos bairros pobres mas a malta não ligava e curtíamos a máxima que era "chupa que é cana doce". Se havia pecado da gula lá no bairro esse era nos dias em que chupávamos a cana.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

MAÇAROCA

Os putos lá do bairro eram mesmo fixes. Não é vaidade. É mesma uma realidade captada com a máquina de fotos de quem gosta de memorizar as imagens lindas de uma meninice vivida com alegria.
Mesmo fixes nós os putos simples do bairro. Quando te falo que éramos fixes digo-o porque os mais velhos que trabalhavam lá no Caminho de Ferro curtiam-nos mesmo. Na época da colheita do milho, ou até mesmo antes, os kambas traziam o melhor presente do nosso Huambo. Ainda no leite, nos diziam, eles nos traziam as maçarocas mais saborosas da mãe natureza. Lhe punhamos nas brasas do forno que aquecia a água lá das casas, nunca no fogão, deixávamos tostar como torradas, lhe barrávamos com a manteiga fresquinha e... Nossa Senhora da Muxima até parecia que estávamos a tocar aquele instrumento musical que os tugas chamavam de gaita de beiços. Só parávamos mesmo quando já não havia milho na visão de um dos nosso pecados, a alegria de saborearmos o melhor da nossa terra.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ÓLEO DE FÍGADO DE BACALHAU

Uééééééééé! Nem sei porque te vou falar mesmo neste assunto. Mas apesar das más memórias te vou falar rápido pois é mesmo uma mukanda amarga e tem que ser falada a correr. Olha só, já nem me recordo se era uma vez no mês, se mais vezes, o que eu sei mesmo é que o tal milongo vinha lá de Benguela ou Lobito, já não tenho memória para dizer donde vinha, era comprado na lota do peixe pelos mais velhos e nós os kandengues tinhamos que aguentar a tomar aquela mistela. Fingíamos que não estávamos lá, mas as mamãs zelosas para que os seus filhos não ficassem raquiticos nos chamavam a plenos pulmões. Era hora de abrirmos a boca, fecharmos o nariz e duma vez só engolirmos o óleo de fígado de bacalhau. Era cá um arrepio que nem em pleno cacimbo existia. Outros corriam no capim e deixavam lá o óleo para ver se nascia bacalhau para a consoada. Bem, vos dizer só que nenhum de nós ficou com essa coisa do raquitismo e que muitos dos nossos nunca soube o que era essa coisa do bacalhau ou de ficar raquitico. Não há memória que alguém de nós tenha ido na Terra Nova buscar o bacalhau. O que nós gostávamos mesmo era do nosso Huambo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CARRINHOS DE ROLAMENTOS DOIS


Pópilas! Já não recordava que tinha um blog dos recordares de kandengue. Mas meu kamba te vou agorinha mesmo falar do que lá no bairro todos tinhamos mas que não servia para nada. Era aqueles carrinhos que faziamos em casa ou nas oficinas do CFB, que lhe colocávamos uma tábua das caixas de sabão compradas lá nos Armazéns, umas rodas de rolamentos já marados, um cordel de sisal original e que depois precisávamos de alguém para empurrar porque a estrada do bairro era plana e não tinha descidas. Pois é mwadieu, tamos mesmo a conversar dos carrinhos de rolamento. Olha só, nem dava para fazer corridas, era mesmo só banga e menino do bairro tinha que ter os de rolamentos como os outros dos outros bairros.

Mas cá o puto ainda tinha tempo para ir na capital, lá mesmo em Luanda, e na rampa do Liceu Salvador Correia, acelerar como um doido pela estrada abaixo, estragar as sapatilhas nas travagens, rasgar alguns cotovelos e ficar espantado como muitos deles que estavam alí comigo travavam mesmo era com os pés e não faziam nada na sua pele luzidia. Pópilas como havia diferenças até nos extras dos carrinhos de rolamentos!