domingo, 2 de agosto de 2009

2 de AGOSTO

Hoje, 2 de Agosto de 2009, Zeca Afonso completaria 80 anos. Tomei conhecimento desta voz magnífica, do poeta cantante, no meu bairro. Um dia um kadengue mais velho, o Toni Vaz (belo jogador dos Kurikutelas, jogava a meio campo e veio para o Ferrovia porque nós, os amigos, lhe pedimos muito - foi campeão de Angola em 1974) que fazia rádio no Liceu, trouxe-nos uma K7 do Zeca. Trás Outro Amigo Também era o nome da canção que nos ficou para sempre no pensamento e que solidificou as amizades e abriram a turma a outros companheiros. Mas não vou escrever sobre o Zeca, mais tarde encontrei-o num grande canto livre na cantina da Universidade em Luanda, com o Adriano, o Mingas e o Carlos Lamartine, e que compartilhamos outras histórias bem mais sérias.
O meu bairro parecia um comboio. As casas arrumadinhas, umas a seguir às outras, que se iniciavam com as moradias dos sanguitos (os de sangue azul), mesmo em frente à fábrica do gelo e da estação do CFB e acabava ali para os lados da feira do Canhe, depois de passarmos o nosso hospital. Nunca soubemos quem puxava este combóio! As nossas cubatas começavam depois do triângulo, onde todos nós morávamos. Geminadas, também eu morei na minha casa amarela. De um piso só tinha uma varanda enorme virada para a estrada e as oficinas, onde deslizava os meus poemas nuns patins oferecidos num Natal, tinha a cozinha e os anexos mais a capoeira fora do edifício central e um quintal fantástico onde o meu pai, nas horas que lhe sobravam depois das viagens, semeava um pouco da sua infância trazida de Trás-os-Montes. Couves, cebolas, cenouras, batatas, tudo ali se dava. A nespereira e a mangueira, propriedade da terra, já lá estavam quando fomos morar para lá. Dormia num quarto pequenino onde estudava e sonhava e onde tinha os meus pesadelos. Ali ficava com a janela aberta durante as noites de mais calor a olhar o céu e as estrelas, e a brincar com as imagens que surgiam na minha cabeça como filmes de ecrã gigante que eu nunca via nos cinemas do Ruacaná, nem do Ferrovia. O meu quarto escondia imensos segredos que hoje recordo como lições de vida. Lembro, como segredos bem guardados as conversas dos kotas que visitavam a casa, sobre a situação que se vivia em Angola, e recordo com um brilhozinho nos olhos, as leituras de um livro que consegui subtrair à clandestinidade das leituras do meu velho (nunca soube que eu o tinha lido, o meu pobre pai), Os Médicos Malditos, e que nunca mais o encontrei nos escaparates das livrarias nem nas prateleiras poeirentas dos alferrabistas da capital do antigo Império.
Foi, talvez este livro, que me fez desviar a agulha e mudar de rumo, sair da "obsessão" de ser engenheiro de máquinas e passar a querer ser médico, talvez um pouco maldito porque não calo à desgraça nem à força de querer ser alinhado ao sistema. Tenho que agradecer à minha casa amarela o ter um quarto reservado só para mim.

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