sábado, 15 de agosto de 2009

MERCADO DO CANHE



Porque hoje é Sábado recordo com saudade os meus sábdos lá no Bairro. Era um dia diferente dos outros dias. Levantar cedo era um hábito, bem cedo aliás, mal o sol batia na janela do quarto e os primeiros raios invandiam o meu mundo dos sonhos, abria os meus olhos castanhos, escutava as canções dos pássaros e preparava-me para mais um dia de aventuras. Geralmente ao sábado dedicava-me a fazer compras com a mamã, ir ao cinema ou dar um passeio pela cidade.
Mas o que mais me dava prazer e gozo era quando íamos ao mercado do Canhe. O Canhe era um bairro que ficava, fazia fronteira, mesmo coladinho ao nosso bairro. Tinha uma missão católica e possuía uma mercado tradicional bem diferente do mercado municipal. O mercado do Canhe fervilhava em palavras, em encontros, em histórias, em cor, em sons e em cheiros. Havia lá de tudo. Tudo se vendia e foi aqui que aprendi que o valor das cidades, entendo hoje que para além do valor económico também se deve entender o valor social, se mede por aquilo que acontece nos mercados tradicionais. Como gosto, ainda hoje, de visitar os mercados das cidades por onde passo. Saravá Jemaa el Fna, em Marraquexe.
O nosso mercado tinha história. Não sei quem começou com a "lenda", mas que ela ficou para sempre na consciência de muitos de nós é um facto. A Missão era guardada por uns cães cinzentos enormes que metiam respeito até ao mais corajoso. Quando passávamos jundo dos muros da casa os cães olhavam para nós com um ar pouco amigável, mas nada diziam ou faziam. Mas quando passavam os vendedores e as quitandeiras, todos negros, os cães transfiguravam-se. Deitavam faíscas de raiva pelos olhos, ladravam mais alto que os trovões das nossas tempestades, tentavam derrubar os muros e protecções. Era o início de desgraças anunciadas. Alguém nos fez crer que o padre da Missão tinha treinado os animais para distinguir entre pretos e brancos. Nunca o soubemos, porque as coisas da Igreja não são para se saber, aprendemos todos os dias. Mas também soubemos que afinal as diferenças entre os seres humanos estavam à distância de um ladrar de cães bem treinados.

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