sexta-feira, 31 de julho de 2009

MAKA COM O JC


Os momentos difíceis da vida de um madieu são mesmo difíceis. E lá no bairro passamos por momentos muito dificeis. Mesmo entre aqueles que tinham cumplicidades e andavam quase sempre juntos. Foi o que me aconteceu com o JC! Não, não pensem que foi com o Homem da túnica branca e de cabelos compridos e barbas. Com Ele também me zanguei e zango com alguma frequência. Ainda há pouco tempo Ele não se portou bem. Mas isso são contas de outro rosário como diria a kota da minha avó.

O JC lá do bairro, o João Carlos, morava logo na primeira casa junto ao triângulo. Kandengue fixe, jogador dos jovens dos Kurikutelas, brincávamos com tudo e com todos. Unía-nos uma amizade e uma solidadriedade que começou desde o tempo de sermos pequenos. A cumplicidade solidificou-se com a morte da mãe do JC. Ali ficaram três putos com o pai a lutarem contra as arguras da vida. O pai não era maquinista como os outros heróis do nosso bairro. Mesmo assim ao JC lhe demos propensão de entrar no grupo. Corríamos o nosso Huambo de lés a lés. A cidade era varrida com as nossas brincadeiras, os nossos risos, as nossas "patifarias". Ele era o Liceu, o Ruacaná, a Kambo, o bilhar no Nacional, o Ferrovia, os jogos contra os do Benfica (outro bairro lá do kimbo), a leitura de A Bola, o nosso Benfica, a discussão, o machimbombo. Partilhávamos e sentíamo-nos bem.

Um dia, numa das nossas discussões houve uma disputa azeda de palavras, foi-se a dis ficou a puta que o pariu, e acabou esta amizade por dois anos. Silêncio absoluto, escuridão permanente, tristeza no olhar, paragens de machimbombo desencontradas, passeios opostos, vidas separadas. Tinha morrido a mãe do JC há pouco tempo. Mas havia sempre os outros, amigos das mesmas coisas, que foram juntando os cacos da discórdia e colando a AMIZADE que sempre existiu.

Vivemos juntos em Luanda e por motivos de outras makas separamo-nos em setenta e cinco do século passado. Nunca mais nos encontramos. Hoje sei que continuamos amigos e tenho saudades deste JC. Kandandu JC!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A CHUVA DO MEU BAIRRO

A felicidade dos kandeungues do meu bairro estava na quantidade de chuva que caía e não naquilo que não existia. Oh!, e se no meu bairro caía chuva! Miudinha por vezes e muitas outras vezes aquelas torrentes tropicais que mais parecia rotura de conduta e que, sonhávamos, o céu desabava em lágrimas sobre nós. Havia sempre motivo para comemorarmos a chegada da chuva. Quem não apreciava muito essa nossa felicidade eram as mamãs que tinham trabalho a dobrar no tanque de lavar roupa. Lembro-me bem de uma dessas chuvadas. Estava no campo do Ferrovia e o meu clube do coração, os Kurikutelas, jogavam com o Benfica de Luanda. Os da capital pensavam que já tinham visto tudo, incluindo a piscina do Ferrovia e que ficava num dos topos do relvado, e que chuva daquelas só lá na Ilha deles. Sei que até nesse dia o comboio apitou roufenho, o Milo e o Raul Indipwo cantaram Kurikutetelas ensopados, e nós os do nosso bairro estávamos enxarcados até ao mais íntimo dos nossos corpos, os ossos. O relvado, em água, superava a piscina ali do lado, os madieu da Lua entraram de fato e gravata e quando o senhor de preto ainda teve ar para ultrapassar a água que lhe escorría das fronhas até ao (a)pito e soprou no dito cujo o resultado estava em 10-2 para os ferroviários. A partir daí os nossos jogos, lá no bairro, mudavam aos 5 e acabavam aos 10. Por vezes noite dentro e com reprimenda dos mais velhos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

OS DO MEU BAIRRO


Todos os dias, durante 18 anos, ouvia o som dos tam tram dos comboios que rasgavam o meu bairro. Soube adormecer ao som das vielas e dos rodados, enormes, das garrats e das nonas que o meu pai sempre conduziu com amor. O sol, lá pelas 6 horas da manhã, batia na minha janela da casa amarela, a terceira casa de quem descia a rua do meu bairro a caminho do Ferrovia vindo da rua do Comércio, e atravessava o triângulo, e eu acordava ao som dos tambores de quem sonhava com canções de (en)cantar. O leite Nido com café de Cevada mais o pão quentinho preparava~me para avançar, linha fora, a caminho do Liceu. Tinha por companhia uma lata de refrigerante que pontapeava com doçura, pensando que um dia os pontapés que faziam a lata amolgar, de dores penso eu hoje, seria a lata que me faria transbordar de utopias.
Assim começava o meu dia a caminho de uma nova vida. Hoje faço poemas ao meu e aos do meu bairro.