terça-feira, 8 de março de 2011

8 de MARÇO

Verdade... nunca falamos das garinas do meu bairro. Não me recordo muito bem quantas haviam. Também não lhe víamos pois tinham educação tipo leopardo, escondidas no mato das casas e cheias de regras. Ponto único, não podiam andar com os kandengues. Mas recordo as mamãs que nos colocaram no Huambo e as outras mamãs que nos protegiam dos grandes males e só nos faziam protecção de todos os espíritos maus. Só tenho recordação de uma grande mulher, a irmã do João Carlos, meu kamba de verdade, que depois da morte da grande mãe foi ela sozinha que ficou com a responsabilidade de tomar conta de três homens. E todos chegaram aonde sua mãe lhe queria. Não sei já o nome desta grande senhora talvez fruto do esquecimento e da minha idade. Mas neste 8 de Março quero prestar homenagem à mulher do Huambo e à irmã do João Carlos.

domingo, 6 de março de 2011

KAMBU

Yes! E veio-me à memória imagens da Kambu, o café onde os madiês lá do meu bairro se encontravam ao fim da tarde, não de todas, antes de irmos jogar snooker. Deixa-me dizer-vos que a Kambu era uma café tipicamente colonial, ali ao lado do cinema Ruacaná e da Nova York, onde só entravam os que tinham pele clara mas onde nós gostávamos de ir pois as natas eram deliciosas e onde sempre aprendíamos alguma coisa com o Tau-Tau. Um dia resolvemos que nos fizesse companhia um colega do Norton de Matos, negro. Chegados lá notamos que havia uma certa relutância em que alguém viesse nos servir como sempre. Um pouco contrariado um empregado chegou à nossa mesa e perguntou o que desejávamos. Cada um pediu o seu pastel de nata e a coca cola (sim nós já bebíamos água suja do imperialismo mesmo antes do vinte e cinco do quatro) e o Fernando pediu uma Real de maçã (sumo de maça da Canadry Dry). Como o empregado estava a fazer um frete, já estávamos há bué à espera, os nervos estavam à flor da pele de todas as cores. Sua excelência o empregado resolveu então, em tom de chico esperto, perguntar ao "intruso" se ele conhecia mais alguma Real que não fosse de maçã. Resposta imediata: "Conheço sim, a real puta que o pariu!" A partir daqui parecia filme de cowboys e era só pancadaria e mesas no chão. Escusado será dizer que muitos terão dito que por estas e por outras os pretos não entravam neste café.
A partir dessa data ficamos mais amigos do Fernando, mais considerados pelo Tau-Tau e menos bem vistos por alguns kambuistas e de alguma polícia que por lá fazia uns biscates à procura de terroristas. O meu Huambo também sabia ripostar à segregação.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

SANGUITO

Hoje mesmo te vou escrever uma crónica ligeira do meu bairro. A malta lá do Huambo, madiês do mato como lhe chamavam os da cidade, tás a ver, quero dizer Luanda, começamos então a inventar como havíamos de dizer dos da capital. Não foi difícil, se eles tinham a mania que tinham sangua azul então, lá no bairro, lhe chamávamos sanguitos. Mas sabes mano não era só aos caluandas que lhe xingávamos com essa de sanguito. Aos maninhos que andavam a armar, que eram dos bairros ricos e que só conheciam o alcatrão, então também lhe pusemos o nome que os punham nas horas do diabo, sanguitos. E assim ía a nossa "luta de classes" no bairro mais lindo do meu Huambo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

4 DE FEVEREIRO

Considerado o início da luta armada, em Angola, o 4 de Fevereiro é uma das datas mais importantes da história do país das palancas negras.

Marca um momento fundamental no percurso que levou à independência e na tomada de consciência nacionalista do povo angolano. Foi, simultaneamente, um rude golpe que marcaria o principio do fim da ditadura fascista em Portugal.

Não sei se o meu bairro deu conta de que os patriotas angolanos estavam a fazer história e que a partir desta data nunca mais seria a mesma coisa na nossa Angola. Para que conste eu nesta data vivia no Luau (Teixeira de Sousa) e fui "transferido" pelos meus pais para Luanda onde, julgavam, tudo era mais seguro.

sábado, 8 de janeiro de 2011

ABRASA-ME

Ando eu aqui a surfar nas ondas das lembranças do meu cérebro e fico sempre com a nostalgia de ter esquecido se a paixão que o meu Huambo me provocou e que ainda me faz escorrer um pouco da água salgada dos meus olhos quando vejo o filme das brincadeiras do meu bairro, algum dia foi amor. Passam diante destes olhos onde escorre a água salgada da Restinga os carrinhos feitos de arame e de latas e caricas construidos por mãos de quem sabia muito mais do que nós mas que não frequentava a escola onde nos ensinavam umas tretas-tipo "do Minho a Timor". E fico sem ar para continuar a ler Ondjaki, Quantas Madrugadas tem a Noite, porque o Adolfo Dido do livro me diz que "tristezas, avilo, isso e muito mais... o passado, minhas lembranças mesmo, minhas solidões. a vida, muadiê, a vida é um antigamente só, e nós ficamos lá, cada vez mais pra frente vamos, e empurrados mas, quem, nós mesmo?, nós somos nosso próprio esquecimento - borracha do futuro a apagar o passado nas ardósias do presente". Também havia a lousa negra onde escrevíamos as redações que queríamos que escrevêssemos mas que apagávamos logo a seguir com o cuspo da raiva. E ama-se aquilo com que se cruza e é só talvez assim. Mas eu não me cruzei, nasci e vivi naquele caminho e abracei num tempo breve de pestanejar aquela terra que me abrasou.
Gosto de te dizer abrasas-me e partilhar contigo a troca do "c" pelo "s" que me permite ter uma intensidade de sentimentos e um gesto que também ele é intenso. E como eu te gostava de abraçar e ser abraçado por ti meu bairro, meu Huambo, e sentir a força do teu abraço numa entrega sem pudor a um aperto que me enchesse a alma. E a nossa intimidade aumenta quando as minhas recordações se aconchegam ao sabor das tuas cumplicidades reforçando a saudade que me destrói, o afastamento. E como não ando demasiado distraído ainda me apetece cantar "abrasa-me, abrasa-me muito, como se fosse esta noite a última vez..."

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

MALANGATANA

Pintura é poesia. Também os poetas são mortais. O meu bairro mostra-se agradecido a Malangatana. Obrigado meu kota e até sempre.



domingo, 2 de janeiro de 2011

SÔDAD

Começamos a segunda década do século vinte e um e hoje acordei com saudades do meu Huambo que há trinta e cinco anos não me vê. Tenho saudades da minha casa, das bungavilias, do comboio, dos do meu bairro, do...
...do meu Kurikutelas campeão de futebol de 1974, campeão da liberdade. Das tardes de domingo em que o Ferrovia jogava à bola como só eles sabiam. Comecei a aprender coisas de sonho e de verdade, no meu bairro, no Ferrovia. O poema diz "Havemos de voltar". Será verdade?