sábado, 8 de janeiro de 2011

ABRASA-ME

Ando eu aqui a surfar nas ondas das lembranças do meu cérebro e fico sempre com a nostalgia de ter esquecido se a paixão que o meu Huambo me provocou e que ainda me faz escorrer um pouco da água salgada dos meus olhos quando vejo o filme das brincadeiras do meu bairro, algum dia foi amor. Passam diante destes olhos onde escorre a água salgada da Restinga os carrinhos feitos de arame e de latas e caricas construidos por mãos de quem sabia muito mais do que nós mas que não frequentava a escola onde nos ensinavam umas tretas-tipo "do Minho a Timor". E fico sem ar para continuar a ler Ondjaki, Quantas Madrugadas tem a Noite, porque o Adolfo Dido do livro me diz que "tristezas, avilo, isso e muito mais... o passado, minhas lembranças mesmo, minhas solidões. a vida, muadiê, a vida é um antigamente só, e nós ficamos lá, cada vez mais pra frente vamos, e empurrados mas, quem, nós mesmo?, nós somos nosso próprio esquecimento - borracha do futuro a apagar o passado nas ardósias do presente". Também havia a lousa negra onde escrevíamos as redações que queríamos que escrevêssemos mas que apagávamos logo a seguir com o cuspo da raiva. E ama-se aquilo com que se cruza e é só talvez assim. Mas eu não me cruzei, nasci e vivi naquele caminho e abracei num tempo breve de pestanejar aquela terra que me abrasou.
Gosto de te dizer abrasas-me e partilhar contigo a troca do "c" pelo "s" que me permite ter uma intensidade de sentimentos e um gesto que também ele é intenso. E como eu te gostava de abraçar e ser abraçado por ti meu bairro, meu Huambo, e sentir a força do teu abraço numa entrega sem pudor a um aperto que me enchesse a alma. E a nossa intimidade aumenta quando as minhas recordações se aconchegam ao sabor das tuas cumplicidades reforçando a saudade que me destrói, o afastamento. E como não ando demasiado distraído ainda me apetece cantar "abrasa-me, abrasa-me muito, como se fosse esta noite a última vez..."

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