domingo, 26 de setembro de 2010

Porque hojé é domingo apetece-me lembrar dos domingos do meu Huambo e do que fazíamos nesse dia. Não era esperado com muita ansiedade entre nós a não ser os domingos à tarde. Sim, domingos à tarde, não pela música do Nelson Ned (O que é que você vai fazer Domingo à tarde?) mas porque tínhamos sempre futebol, os Kurikutelas ou o Mambroa, por vezes o Recreativo da Caála. Sim, porque nesse tempo havia futebol aos domingos à tarde.
Mas esperávamos por domingo porque a grande maioria dos putos lá do bairro andava na catequese ali na Sé do nosso Huambo. E a catequese servia como ponto de encontro para vermos e estarmos com outros amigos de outros bairros, sonharmos com namoros, brincarmos e até fazer travessuras que por vezes o padre da Sé, que não relembro o nome, não aprovava. Muitos ainda cantavam no coro da igreja. Bem isto foi até aos 14 anos porque depois começamos a questionar o que andávamos ali a fazer. Tudo o que fazíamos era pecado e se convertia em castigo divino. E nós deixamos de gostar que um simples olhar para uma garina mais gira se convertesse em três pai nossos e três avé marias e pecados mais calorosos como um beijo tivesse um imposto maior, uma salvé rainha. E aí a malta basou e nunca mais quis saber de catequese, missas ou coro de igreja. Mas a Sé ficou sempre na nossa memória.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

AS BUNGAVÍLIAS

Ao reler o poema da Alda Lara me veio à memória que todas as casas lá do meu bairro tinham umas sebes que serviam de muro para separar os quintais e que eram feitas de flores muito bonitas. Por altura da floração as nossas casas ficavam bué de bonitas, os mais velhos até pareciam mais contentes e o amarelo das nossas cubatas eram dum amarelo cor do sol. Deixa-me te dizer que as bungavílias não serviam para separar os vizinhos pois existia sempre uma passagem onde nós os candengues podíamos passar para ir nas nossas brincadeiras e os kotas podiam ficar horas ali a conversar. As bungavílias serviam só mesmo para a nossa primavera ser mais alegre, o nosso sorriso ser mais aberto e conseguirmos aprender que havia uns jardineiros que cortavam e faziam as sebes com uma magia e um amor que ainda hoje está na memória da infância e que na nossa rua passavam mães negras que nos enchiam de sonhos e de raiva pela injustiça que muitos meninos, que elas ajudavam a embalar, lhe colocavam na sua dignidade depois de deixarem de ser meninos.
Me sinto com orgulho de ter vivido e brincado entre as bungavílias do meu Huambo. São as bungavilias mais lindas do Planeta. Por isso me relembro a Alda Lara e um pouco do seu poema sobre as bungavílias vermelhas.

Pela estrada desce a noite
Mãe negra desce com ela...

Nem bungavílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos
em suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossa,
em duas faces cansadas.



sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A KINGA

Como é que vamos falar sobre o Natal no Huambo se não havia mesmo neve, nem Pai Natal, nem pinheiros, nem mesmo brinquedos em muitas das casas lá do bairro. Sim, havia a afesta do Ferrovia para os filhos dos funcionários do CFB onde era mais uma festa. Mas isso são outras estórias para contar. O que é mesmo verdade é que nessa época bastava só mesmo um brinquedo para os olhos sorrirem e todos ficarem contentes. Era bom, não no 25 do doze mas no dia a seguir pois todos juntávamos o que tinha sido dado e brincávamos até ser noite.
Nesse Natal o Mané recebeu uma kinga, vermelha, linda de morrer e foi o encantamento total do bairro. Quantos de nós sabia pedalar naquele monstro, roda 26? Penso que ninguém. A partir daquela data, a vermelha, a melhor kinga do Huambo, serviu para muitos de nós aprender a pedalar nas picadas dos nossos sonhos, percorrer o asfalto e o pó dos bairros vizinhos, sabermos que existia mais mundo para além do nosso e ganharmos o gosto de pedalar até as pernas doerem. São João, Benfica, Comércio foram alguns dos bairros que fomos descobrindo como candengues das aventuras. Havia sempre tempo para cada um de nós dar uma volta. Começamos a aprender com a kinga, que era vermelha, a palavra solidariedade que perdurou para sempre.
Pena foi que o João Manuel da Conceição Barroso, o Mané para nós, tivesse deixado o nosso Huambo muito cedo, mesmo antes de Angola ser Angola.